3 de junho de 2011

Mário de Sá-Carneiro: o Esfinge Gorda


Mário de Sá-Carneiro, representante legítimo das sombras decadentistas, nascera em 1890, em Lisboa, para despontar, em uma vida marcada pela brevidade, como uma das figuras mais emblemáticas na cena artística lusitana.

Ícone augusto na literatura portuguesa, Mário de Sá-Carneiro, ao lado de Fernando Pessoa e de outros artistas contemporâneos, protagonizou o movimento modernista, e timbrou a sua insígnia inconfundível, exuberante e esfíngica, ao expressar, em sua lírica e narrativa, o desejo colossal de ser, para além dos limites humanos - espaço etéreo no qual os heróis triunfam sobre os deuses e os mitos cristalizam suas verdades, sob a letra imponderável da eternidade. Fronteiras abissais da desmedida, e, portanto, berço dos sonhos megalômanos, onde as vertigens tombam os homens diante dos enigmas bestiais e corpos siderais despencam dos céus que ardem em fogo.

A literatura de Mário de Sá-Carneiro é a confissão ímpar de um homem que, na errância maldita, funde a personagem cívica e a personagem artística, formando um ser, quase divinal, no risco de uma escrita, também quase autobiográfica. O prenúncio da morte como traço de um fado desejado constitui-se na grande trama, em que o drama da existência de uma personagem solitária em um mundo moderno é o fôlego de uma vida que tende a desaparecer sob o crepúsculo agudo da melancolia.

Peregrino na cidade das luzes, flaneur por opção e voyeur por excelência, Mário de Sá-Carneiro carregou em sua tinta mórbida a solidão que acometeria a Humanidade, e que o tornou refém em um mundo dominado pelos automóveis e pelos cafés borboleteados com gentes de toda sorte; todas seduzidas pela futilidade citadina e pela luxúria infinita.

Lepidóptero, Mário de Sá-Carneiro buscou no Outro o desejo irrealizável. Sua trajetória, cívica e artística, determinada pelo quase, malogrou; e sua angústia, móvel de sua existência corroída por fracassos e inglórias, elevou a sua dor a patamares insuportáveis. Em crises constantes, as cartas a seu grande interlocutor - Fernando Pessoa -, revelariam a dissonância de um homem vacilante em descompasso com a própria vida.

A alteridade misteriosa e inalcançável, a solidão oceânica, o distanciamento do mundo e a obesidade da qual não poderia se livrar, além de uma personalidade esquizofrênica, compuseram a grande cena teatral para a performance de um ator à margem de si-mesmo em um espetáculo final.

Em 1916, em um quarto de hotel, em Paris, paramentado com smoking e tendo ingerido alguns frascos de estricnina, Mário de Sá-Carneiro se despede da vida, consumando, de forma magistral, a queda e a ascensão de um astro em um monólogo desiderático.

À semelhança do trágico Édipo, Mário de Sá-Carneiro encerra sua vida literária, confundindo desejo e enigma e eclipsando o homem e o artista em uma poética singular. Na cena dantesca do suicídio, o nascimento de um mito.

A Esfinge decifrada voa para a morte e o destino arruina o oráculo.

Os poetas não morrem; eternizam-se.